AVCB?

Há algum tempo assistia a um telejornal e a matéria em destaque do dia era o incêndio que estava ocorrendo na rua 25 de março, zona central da cidade de São Paulo.

Sem dúvida, em face da envergadura do sinistro merecia destaque, inclusive o edifício chegou a ser demolido, porém, o que mais me chamou a atenção foi a colocação de um repórter dizendo que o prédio não possuía AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) dando a entender que o proprietário era totalmente negligente, mas será isto verdade ou fake news?

Para possibilitar a resposta desta questão, necessariamente, deve-se analisar a legislação na forma mais detida, uma vez que, salvo em raríssimas exceções, qualquer legislação não tem o poder de retroagir, ou seja, uma legislação publicada hoje não tem como obrigar a mudanças em um prédio construído ontem.

Olhando a legislação do Estado de São Paulo, vamos encontrar a seguinte cronologia inversa:

  • Decreto nº 63.911 de 10/12/2018 (em vigor), onde no Artigo Único das Disposições transitórias diz que, edificações e áreas de risco existentes na data da publicação deste Regulamento deverão ser adaptadas conforme exigências previstas na Tabela 4. Esta por sua vez, cita a necessidade de atender a IT 43, que explicita:

2.1.1 Adotam-se os parâmetros da legislação vigente para áreas ampliadas de edificações existentes, podendo-se manter a legislação da época para a área existente…..

2.1.2 Pode ser adotada a regulamentação da época quanto a: exigência de quantidades de escada de segurança para edificações residenciais (A2) com altura superior a 80 m; exigência de compartimentação horizontal para edificações destinadas a shopping centers; dimensionamento do sistema de controle de fumaça; dimensionamento do sistema de hidrantes existente; e caminhamento de rotas de fuga para alguns grupos e divisões de ocupação.

  • Decreto nº 56.819 de 10/03/2011 – apesar de não ser tão detalhado como o decreto 63.911, acaba por trazer o mesmo conteúdo.
  • Decreto n° 46.076 de 31/08/2001 – a tabela 4 cita que para edificações anteriores a 11/03/1983, deve-se:

Para área construída < 750 m² e altura < 12 m – saída de emergência, iluminação de emergência, extintores e sinalização.

Para área construída > 750 m2 e/ou altura > 12 m – saída de emergência, alarme de incêndio, iluminação de emergência, extintores, sinalização e hidrantes.

  • Decreto n° 38.069 de 14/12/1993 – expressa no item 1.3. Aplicação – Estas Especificações se aplicam a todas as edificações, por ocasião da construção, da reforma ou ampliação, regularização e mudanças de ocupações já existentes.

1.3.2. Consideram-se “existentes” as edificações construídas ou que tenham protocolado pedido de aprovação de plantas (nas Prefeituras locais), anteriormente a 11 de março de 1983, data da publicação do Decreto Estadual nº 20.811, com ou sem aprovação de projeto de proteção junto ao Corpo de Bombeiros, bem como aquelas com projetos de proteção aprovados no Corpo de Bombeiros, após aquela data, com ou sem vistoria final.

Portanto, o novo instrumento legal só seria válido para reforma ou ampliação, regularização e mudanças de ocupações já existentes. Ressalto este ponto pois a maior parte das edificações em regiões centrais é anterior a esta data.

  • Decreto n° 20.811 de 11/03/1983 cita no artigo 1.3 Aplicação – estas Especificações se aplicam a todas as edificações, por ocasião da construção, da reforma ou ampliação, e mudança de ocupação de edificações já existentes.

Além deste texto, encontramos no item 11.1 Aplicação – Estas disposições (cita uma relação) aplicam-se, no que couber, para as edificações sujeitas às normas de segurança previstas nas legislações municipais.

Observando os textos legais, pode-se concluir que, para prédios anteriores a 11/03/1983, onde não houve mudaram de ocupação, ou foram submetidos a ampliação ou reforma, os únicos sistemas e dispositivos de prevenção e combate a incêndios são os definidos pela legislação municipal à época. Portanto, para prédios muitos antigos, a própria emissão do AVCB torna-se discutível, mesmo assim atendendo a legislação em sua plenitude.

Certo, porém é que, prédios mais antigos não constam com os meios e dispositivos de proteção e combate a incêndios mais modernos e que possuem uma melhor eficácia e, o que se pode fazer para atualizar estes equipamentos e dispositivos?

Como a legislação não pode retroagir, entendo que a melhor maneira seria a ação por convencimento. Neste caso, entendo eu, seria importante constituir um grupo de representantes da Prefeitura, Do Corpo de Bombeiros, da Junta Comercial e das Associações Comerciais locais, sendo que, este grupo entraria em contato com os proprietários mostrando a necessidade de melhoria no sistema e, inclusive, apoiando tecnicamente os projetos e até, se possível, criando uma linha de crédito para a readequação.

Entendo também que, um dos atores que poderia contribuir em muito neste contexto de atualizar os prédios antigos, pode vir a ser as Seguradores, até porque, atualizando os sistemas de prevenção e combate a incêndios dos prédios, possivelmente, haverá redução de danos em um potencial incêndio.

Resumindo, acredito eu que, o necessário neste caso não é a adoção de novos instrumentos legais e sim a vontade política de formalizar uma unidade de convencimento proativa.

Publicado na Revista Emergência edição de novembro/dezembro de 2022 e janeiro de 2023